quarta-feira, 1 de junho de 2011

Antes da avó



Quem não tem, inventa.

Era uma mãe da família, bem distante, bem ancestral.
Vivia na época da lavoura e criava muitos filhos com mãos de labuta.
Era muito norte e frio.
Havia roça, havia porco, havia amplitude de visão e gente junta reunida trabalhando em silêncio.
Casamento era destino certo das moças. Família era destino certo de mãos na enxada.
Filho era pra fazer e dar força no trabalho.
Assim era essa mãe também. Com seu marido inevitável, com seus filhos bem paridos em casa, bem alimentados no peito farto, bem trabalhadores e bem quietos junto ao pai.
Mas mulher que não se aquieta é bicho revolto.
Ela seguia o protocolo mas com a chama do desejo em brasa no peito. Era desejo de curiosidade. Era como se a menina de antes teimasse em manter existência no corpo já endurecido de tantos filhos paridos.
Não tinha geada que acalmava aquele fogo silencioso e latente.
Ela cumpria bem certo todas as obrigações dos dias, cuidava bem mãe de todos os filhos do marido espaçoso. Mas mantinha o olhar focado naquilo que não sabia e desejava ardente mergulhar na novidade.
Dá onde vinha tal aflição? Difícil saber. Apenas que sentia como nenhuma outra mulher da família ousara admitir.
O cheiro das flores cresce na estação. O sentido percebendo molha o corpo da mulher e não é em vão.
Como hipnose barata, ela aproveitou o sono pesado de trabalho e fugiu-se de tantos homens – o que ganhara presente de grego e os que parira dor e prazer.
Toda silenciosa, escutava os cheiros das flores e seguia seus sussurros.
Assim andou, camisola e roupão, até a beira da estrada.
Andou em muitas estradas e foi descobrindo tanta vida que se perdeu dentro de si.
Seus desejos a guiavam para o mundo e pra nada. Ela era ninguém e comia tudo o que via pela frente.
O desejo nada de descansar. Seguia mesmo sem rumo, rumo às novidades bem frescas de cada desvairio materializado em encontro.
Parou por um instante e fixou residência em vilarejo já de outra república báltica.
Estava bem perto das fronteiras, queria experimentar manter-se assim, na linha, por alguns tempos.
Ganhou um anel que a segurou por mais de 12 anos, pariu enfim uma menina a quem deu o anel no dia que deixou de desejar.
Toda sua vida era neve do monte Suur Munamägi a escorrer no verão.- Até que essa água cristalina alcançasse o mar.- Sua filha nascia do mar e seguia viagem.-
-Do porto da Europa para as águas mais quentes da América.
Vinha o anel até chegar em mãos recentes.
Até chegar à imaginação de descente com brasa no peito, curiosa de conhecer as mulheres de uma família que não teve.

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