terça-feira, 23 de setembro de 2008

Pra cair antes do 70

Lentamente, com apoio de seu andador, se acomoda no banquinho de madeira da escola que mais parece um quintal encantado e mostra as máscaras que trouxe do Nordeste e que serão tema e brinde de seu aniversário de 77 anos.
Dias depois recebemos o convite "Me ajude... Qual máscara devo tirar?".
Tarefa nada fácil essa... Não por despir-se da máscara, mas por reconhecê-la.
É de ter medo de si, de não admitir que dentro vive mesmo o monstro que vemos no outro.
Que atrás de algo que cobre os olhos, pode haver entrega, pode haver fogo e enxurrada.
Do encontro com alguém que, mesmo sem querer, revela-se tão verdadeiramente, é possível mostrar-se também.
Se for de amor, o mergulho sem volta é inevitável.
Se for de desavença... o que será além dos cortes?
E quando não sangra tudo na hora, sangra-se também depois da hora, sangra-se até limpar tudo que salta ao abandonar a máscara.
Duro é perceber que ainda não se é vermelha.
Duro é relembrar o texto da peça e ver que ainda faz tanto sentido, cada dia mais...
Deveria ser mote de superação, mas não, ainda ecoa...
"Eu queria não precisar de nada disso e partir!
Partir pra Espanha e virar uma dançarina sedenta de palco
Dessas que não se cansa de ensaiar, ensaiar e ensaiar
Porque a única coisa que lhe pertence é seu corpo
Quente e vermelho,
Ardente de dança,
Que trasforme toda essa angústia
em poesia concreta, violenta e verdaderia redenção!"

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Dupla

Pisou firme os dois pés na areia.
Saber enfim dos movimentos dos seus líquidos.
Viu então, pouco surpreendida, que não havia ali equilíbrio de partes.
Um e outro lado por si, sós.
Contorno de um, conteúdo de outro.
Não sabia das origens dos seus duplos,
Mas sabia as consequências.
Vida aqui e ali, tão diversas, brigando por mais espaço.
Sempre se procura a completude e os pés na areia.
Sem saber pra qual lado deveria pender,
Deixou cair corpo todo ali e esperou.
Onda que viesse e apagasse marcas duplas.
Mas já sabendo tanto de si,
Obrigou-se a mergulhar em mar próprio e avaliar.
Viu-se tão íntegra na parte que não duvidou que era duas.
Riu-se larga e tranquila, afinal descobriram-se.
Ela e suas variantes.
Gostou muito, levantou-se.
Avaliada e duplicada, buscou plano liso.
Pisou firme os pés na areia e saltou.
Ficou a planar até pronta a exposição necessária para captura da imagem dupla.
Diminuiu bem sua velocidade, assim a onda passou e misturou-se com parte e parte.
Íntegra em contradições e variantes sobre seus mesmos tons,
Sorriu e caminhou um pouco mais.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

por dentro e por fora

na verdade é só bagunça mesmo. essa que fica do lado de fora e confunde o olhar, os passos, confunde tudo.
ah, e é chato mesmo ter que arrumar, separar o que é dali o que é daqui. trabalhoso, demorado...
mas conforme vai espaçando, vai abrindo espaço novo pra pisar e firmar, o rio volta a fluir e a vida segue.
porque é assim de viver mesmo, não é? deixa um dia vir depois do outro, o que sobra vai ficando e ocupando espaço que serviria ao outro dia... quando da angústia de não se ter onde pisar, o desejo se transforma em ação e tudo se organiza, pra dentro, pra fora.
hoje melhor, amanhã pior, depois quem sabe...
e aquilo que tem bem dentro permanece em segredo, não confunde com o que vai pra fora, na vida, pois a ela não pertence.
o interior é escuramente seguro.
o íntimo sou um eu diferente, liberto do corpo ar e fixado nele matéria quente, sente prazeres do indizível.
e quando da raiva de não conter tudo em mim, só o silêncio alivia com o tempo que deve levar.
depois passa, volto pro sol e fica tudo bem, como deve ser a rotina dos que vivem... bem.