quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O mar é o continente


O continente é realmente
um lugar bem seguro, onde se pisa firme
_sim, é verdade que a firmeza mesmo está nos pés e não no chão, mas isso já seria outro texto
O continente, continuamente,
traz-nos essa sensação de terra a se pertencer
_isso mesmo já é mais uma ilusão que certeza, mas não pra agora

O que importa agora é o MAR

Onde eu jogo fácil meu corpo
Onde não perco meu limite, nem escapo de mim
Meu caldeirão de bruxa
O mar bem meu de ser tão ampla no universo
Aquática
O mar que não tem linhas no mapa
E os limites são exatamente os corpóreos
_para todo e qualquer corpo há um limite
para muitos corpos em comunhão, não_
Onde os cheiros são bem internos e naturais,
pois a natureza do homem se mistura com as verdades naturais
Onde se nada livremente até o cansaço inevitável dos braços
O cansaço livre, de quem não quer cruzar fronteira, mas nadar apenas
Onde não há fronteira e todos os seres nadantes encontram-se em ambiente acolhedoramente salgado e azul
Bem que deveria ser assim o ar que permeia tudo, até eu e você
O ar poderia ser sempre de maresia daquela boa e perfumada
E a cada passo que déssemos em direção aos novos lugares
a única coisa a nos separar seria o limite de cada corpo
_que isso também se ultrapassa quando se quer é bem verdade, mas aí falaria sobre os animais que habito; não agora, pois já contei demais
A Palestina seria para mim e para você,
A África seria muito mãe de todos nós pra valer e todos os nossos olhos brilhariam, irônicos da aridez do Saara, pois o mar estaria entre nós
A América teria ainda mais línguas e nossos ouvidos dançariam dessa música ultra melódica, sem carregar constante o peso surdo da colônia
Cada linha no mapa seria de serpentina de festa carnaval, quando uma alegria existe para se habitar
Quando o corpo boia pleno no mar, os olhos alcançam o céu
Azul e azul num infinito generoso de humanidade possível
Fazendo do Mar o continente possível da humanidade
E do céu, um limite tênue a ser ultrapassado em ondas sonoras e marítimas


para toda lágrima derrubada de coragem

 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Pássaro


Minha mão, como borboleta, pousa em seu ombro quente
A pele se abre em acorde menor e é bem harmônico nosso encontro
Ele sobe intenso até o topo mais alto dos meus segredos
Apresenta suas asas abertas tão amantes da liberdade
E, generoso, voa cuidadoso ao meu redor
Sinto o vento, escuto o vento e vou nessa dança
Procuro minhas águas e não desgarro de mim
Assim mergulho firme e solto bem o corpo ao cair dentro de suas asas
Queda de bêbado
Embriaguez de olhos claros e molhados e pele molhada
Tenho um pássaro secreto
Seu canto é um sussurro efêmero que só ouço com olhos bem fechados pro mundo
Quando ele canta, sou só dele
Fico amarrada em suas asas, meio adormecida
Sonhando viva com o dia fora do tempo
E toda a vida escorre pela pele
E desse sal de calor depois de tanto voar
Volto clara para o fundo do mar
Sempre que o pássaro voa embora
Volto clara para o fundo do mar
Azul, intenso, profundo e agitado
Ele no céu e eu no fundo do mar

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Separação


Um pra um é fácil não, mas basta quase sempre.
Um mais um vai de dois, três...
Quantos a falta de juízo permitir.
É porque pra hoje bastaria um mais um ser dois.
Mas tem dupla que se anima e vai pra mais e mais.
É bom o tempo quando um e um sentem sol,
depois lua,
o sono chega pra um e um ao mesmo tempo,
vem como descanso bom depois de muito suor.
É nesse tempo bom que surgem os desejos de multiplicar.
Mas nem sempre orna.
Tem vez que chove aqui e lá, sol.
Tem vez também que inunda mesmo aqui e lá, secura total.
Nesse tempo, bom também, apesar de mais difícil de perceber,
Um é só um mesmo.
Esse espaço de ser deveria ser bem guardado,
quase sagrado
Assim, quando em comunhão, um poderia ser dois sem deixar de ser um.
Mas os olhos parecem ter visão confusa ao perceber os espaços.
Os limites se confundem – meu amor, minhas linhas, nosso corpo, meu.
Então vem o inevitável fragmentar-se, com dor aguda e profunda,
de ir aos poucos desfazendo-se de nós entre um e dois e os que vieram depois.
A voz que se impõe ao olhar pode cegar.
Os limites são tênues, mas não os desejos.
Ser dois é fortalecer o indivíduo.
Sem um não há compartilhar possível, mas apenas doar e receber.
Desejos desencontrados, escolhas em oposição
Contraposição
Cada ser tem sonhos a sua maneira
Um em busca de si mesmo, sua própria unidade de reconhecer-se um.
Separação e reintegração.
Isso há de responder.