sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sonhei que nascia

Eu sonhei que nascia de um beijo molhado e tão alegre que eu escapava pela vida e era um vento intenso, bom, desses que bagunça seu jardim, bagunça seus cabelos, bagunça seu quintal, desses que levanta a poeira do chão e confunde sua respiração.
Eu sonhei que dançava tão leve como a menina de vestido cor de rosa clarinho de pernas longas e finas e pés que quase não tocam a areia. Eu era a mulher flamingo voando rente à água, bem pertinho mesmo, deixando molhar a barriga feito pluma a te tocar o rosto sonolento.
Sonhei que era o foco de um fotógrafo poeta de olhar.
Sonhei que era mãe de duas crianças que davam sentido ao meu olhar ao acordar.
Sonhei que andava de ônibus por aquela rua da cidade onde as vitrines oferecem vestidos tão curtos às pernas que deixam o asfalto colorido e brilhante.
Sonhei que estava na música de um amigo que reencontrei por acaso e me fazia sentir importante só por ser acaso.
Sonhei que minha voz falava bem alto pela avenida e a voz de muitas mulheres falavam também e era muita festa. Então todas nós, elas em mim, eu em você, fazíamos um levante porque éramos beijo, vento, bailarinas, pássaro, água, foco, mães, putas, música e éramos tão felizes. E nessa revolução de muitas pernas cheias de alegria dançante sorríamos o mundo e olhávamos nos olhos sinceramente.

As fotos recuperam seu olhar em mim.
As crianças recuperam suas vidas em mim.
Seus braços recuperam seus cuidados em mim.
Sua voz recupera sua história em mim.
Os pássaros recuperam sua respiração em mim.
Sua água recupera seu parto em mim.

Os ciclos são de serem vividos com dor e alegria, com saudades e esperança.
As mortes são a festa da renovação da natureza.
Os nascimentos são a iminência da morte vivida em prazer explosivo.
Sonhei que nascia na areia ao despertar de uma onda mansa salgando minha vida nova.
Sonhei que morria em seus braços plena de vida, cheia de alegria.