quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Essa baiana, tem!

Mira, las brasileñas!

Nunca vi tal tabuleiro e mesmo assim, sou dita brasileira.
Quem sabe definir mora bem longe daqui, olha com olhos curiosos de explorador e define nome que me contenha.
Identidade é coisa pro outro, aqui quem sabe não somos nós. Moramos em terras diversas e imensas, somos diversas. Mas há quem diga que não: da linha pra baixo, nosotras somos las ticas!
Então é minha fez de ficar curiosa, já que soy latina, quero hablar espanõl. Mas não consigo, minha língua é outra - não que deva me orgulhar de suas origens, pero no hablo español...
Pedro disse que a língua do futuro é o portuñol e Jesusa disse que o próximo presidente dos EUA será uma mulher latina!
Nós, brasileñas, em terras norte americas somos excêntricas, pero no mucho; somos coloridas, pero no mucho; somos bem recebidas, pero no mucho. Porque não somos índias, não somos étnicas, não seremos peça de museu como prevê Luisa. Somos mulheres comuns, moramos na cidade, somos americanas também.
Entre a academia do império e as aldeias que insistem em sobreviver sobraram nosotras, interrrogação e reticências.
A nós não cabem mais as exclamações, a mistura é tanta que parecemos com um pouco de tudo e ficamos no meio.
Mas se é mesmo pra identificar e enquadrar, fico no sul. Prefiro ser latina, prefiro arrastar a chinela a subir no salto fino (cairia com certeza). Prefiro os bordados, prefiro o chão de terra batida, prefiro o canto e a roda. Mas, claro, levo meu laptop.
Estamos no meio, somos a própria contradição, somos as baianas américanizadas, somos as minas, las ticas, as latinas, las brasileñas. Somos brasileiras.

maRcia

Nem punhado de areia, nem vaso que contenha.
Seu método é minucioso e particular.
Ela, abundante no sorriso e doce na voz que arrasta as minas, economiza na ação que, exceto eu, ninguém imagina.
Conta como se colecionasse selos, conta como fosse comum.
Assim como já não choro mais diante daquela imensidão, pois o acalanto vai aos poucos tomando-me completamente, ela posiciona-se diante e rouba primeiro a imagem.
Depois desce até a areia e se aproxima silenciosa. Vejo-a apenas de costas, mas sei que sorri.
E seu sorriso merece o desvio da breve narrativa, pois é tão seguro de si, tão orgulhoso do que sorri que faz olhos fixarem curiosidade no que deve ser o pensamento.
Segue então aproximando-se lentamente, deixa primeiro que os pés o experimentem, depois reverencia como se não o fizesse e molha enfim as mãos.
Pronto, está feito.
Volta ainda mais orgulhosa e me conta: "Viu?"
Sim, vi tudo atentamente, pois sou filha de Iemanjá e reconheço a irmandade.
Dessa vez quem sorri sou eu, finjo displicência, e confesso.
É verdade, ela coleciona mares.


domingo, 9 de novembro de 2008

uma sempre com sono, a outra sempre triste

Sempre foi assim, desde pequena.
A primeira vez que me lembro foi quando a mãe, sádica de bom grado, não me deixava sair.
Eram férias, era noite quente, eram muitos amigos na pracinha, e eu, era pra ficar em casa.
Foi na frente do espelho que comecei a praticar. Mirei, mirei.
Olhos tão azuis, tão castrados... A auto piedade revelou-se firme.
Comecei a chorar um choro sentido, triste, pura mágoa.
Criança diante a negação autoritária.
E funcionou! A mãe, convencida de seu poder sobre a menina, envaideceu-se e permitiu sua saída.
No rosto alegre e supreso da amiga, o olhar cúmplice da cena.
Eu poderia ser atriz!
Depois de alguns anos, já na escola de teatro, a mãe novamente "Não!".
Mais orgulhosa e menos esperta, tranquei-me no quarto e a amaldiçoei.
Disse mal do seu poder, reconhecendo-o e escrevendo uma carta tratado de negação de tudo o que era belo, bom e perfumado.
A carta, anos depois, seria inspiração para sua personagem Ícaro.
Apesar do talento para o drama, mãe e pai, a algoz e seu coadjuvente, sempre muito obediente, disseram não à faculdade de teatro e escolhi, cordata, o curso de Fonoaudiologia.
Foi em um estágio em uma escola municipal, assistindo à aula na sala das crianças surdas, que recebi o apelido. Minha colega, disseram os alunos, estava sempre com sono; e eu, estava sempre triste.
Aceitei. E ando confirmando.
Mesmo hoje, depois do divertido dia de trabalho, depois da acolhida carinhosa em casa, depois dos beijos do filho e do marido, ainda assim, essa tristeza permanece.
É um vazio, um silêncio que está sempre comigo, algo que nunca nasce, botão que sempre murcha antes de se abrir.
É uma desistência, é um lago de água parada.
É a maior parte do tempo.
Eu sempre fui triste.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

As estrelas

Elas são todas assim. Se olhar com um pouco mais de cuidado, verá que todas têm essas flores de Frida Kahlo.
Essa vermelhidão de auto-retrato que a todo instante quer gritar de si mesma e contaminar toda gente.
É uma certa falta de controle, elas são explosivas.
Se não for mal da coluna, pode ser da estrela, como a do Patrocínio que era capaz de virar toda a família de cabeça para baixo.
A mim não atinge, pois a família mesmo me virou de cabeça para baixo.
Já abortei várias vezes essas famílias que insistem em causar desarranjo nas flores.
Mas agora, não. Tudo vai em seu lugar.
Sei como o Rosário fazia, separar cada coisa em seu lugar. Um catálogo de gentes e coisas importantes para se orgnizar.
Cada qual com seu lugar e o meu londe de muitos.
Essas rosas vermelhas e mortas são as que marcam a separação, o fim de algo que já não importa mais.
Aos que olhavam a filha com tanta ironia e a organizavam na caixa da dispensa, oferecemos as flores e afirmamos: somos sim, vermelhas de Frida, estrelas de Patrocínio, e isso nos basta.
Sabemos o que vai por dentro, e isso nos basta.

sábado, 1 de novembro de 2008