domingo, 9 de novembro de 2008

uma sempre com sono, a outra sempre triste

Sempre foi assim, desde pequena.
A primeira vez que me lembro foi quando a mãe, sádica de bom grado, não me deixava sair.
Eram férias, era noite quente, eram muitos amigos na pracinha, e eu, era pra ficar em casa.
Foi na frente do espelho que comecei a praticar. Mirei, mirei.
Olhos tão azuis, tão castrados... A auto piedade revelou-se firme.
Comecei a chorar um choro sentido, triste, pura mágoa.
Criança diante a negação autoritária.
E funcionou! A mãe, convencida de seu poder sobre a menina, envaideceu-se e permitiu sua saída.
No rosto alegre e supreso da amiga, o olhar cúmplice da cena.
Eu poderia ser atriz!
Depois de alguns anos, já na escola de teatro, a mãe novamente "Não!".
Mais orgulhosa e menos esperta, tranquei-me no quarto e a amaldiçoei.
Disse mal do seu poder, reconhecendo-o e escrevendo uma carta tratado de negação de tudo o que era belo, bom e perfumado.
A carta, anos depois, seria inspiração para sua personagem Ícaro.
Apesar do talento para o drama, mãe e pai, a algoz e seu coadjuvente, sempre muito obediente, disseram não à faculdade de teatro e escolhi, cordata, o curso de Fonoaudiologia.
Foi em um estágio em uma escola municipal, assistindo à aula na sala das crianças surdas, que recebi o apelido. Minha colega, disseram os alunos, estava sempre com sono; e eu, estava sempre triste.
Aceitei. E ando confirmando.
Mesmo hoje, depois do divertido dia de trabalho, depois da acolhida carinhosa em casa, depois dos beijos do filho e do marido, ainda assim, essa tristeza permanece.
É um vazio, um silêncio que está sempre comigo, algo que nunca nasce, botão que sempre murcha antes de se abrir.
É uma desistência, é um lago de água parada.
É a maior parte do tempo.
Eu sempre fui triste.

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