quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Areia nobody


Com areia bem sequinha construí um lindo castelo!
Todo ele era ideia.
Olhava às cegas cada nenhuma pessoa que lá habitava.
Eram vários tipos de habitantes, bem invisíveis, mudos e presentes.
Nós conversámos todo o tempo assuntos vazios de argumentos, mas cheios de exclamações. Falávamos nada ao mesmo tempo, voz sobre voz.
Que diversão aquela da areia fina ao vento...
A água era mesmo rara por ali, por isso todos não bebiam, apenas suavam sede e desejos indisíveis de existência.
Meu castelo ficava em praia de mar vazio, todo ele bem sequinho, igual às gotas de palavras minhas.
Dia qualquer, abrindo em vão o portal secreto do castelo, dei de costas com linha aleatória.
Porque não seguir, se tudo o que eu fazia ali era esperar a tal linha que nunca soube existir?
Meus dedos de giz seguraram firmes a linha e apertaram até se desfazerem em pó de cal.
Assim comecei o trajeto rumo certo ao desconhecido.

 
Era como um sonho de realiadade. A linha transparente de levar a lugar nenhum.
Segui sabida de opção.
Saímos da praia, abrimos trilha na floresta tropical, chegamos no pé da montanha e nos aventuramos por todo seu corpão de chão em inclinação oblíqua, vencemos o topo do infinito, descemos rumo à rua de asfalto, deixamos pés por ali, uma calçada depois outra e mais outra, entramos casa, prédio, obra, barraco, viaduto, chão – tudo quanto é moradia de homem e mulher -
visitamos museu, cinema, teatro e música – tudo quanto é moradia de ar e matéria de homem e mulher -
comemos bem e mal, lavamos mãos e pés e tudo o mais, soltamos o cabelo (eu cabelo, a linha já era solta em linha mesmo), visitamos quarto de sono, de prazer, de dor, de sangue, de apneia, de insônia – tudo quanto é jeito de quarto de homem e mulher e criança.
Até que chegamos lá!
Assim se falava quando alguém vencia o jogo nenhum: chegou lá!
Mui respeitosamente ajoelhei-me sem rebeldia aos pés do rei.
Mantendo o silêncio habitual de voz seca, devolvi-lhe a linha toda que recolhi pelo caminho.
Era transparante, mas enxergávamos bem, o rei e eu.
Amarrou bem firme o ponto que soltara de sua roupa e que deixara escapar aquele tanto invisível de linha até meu castelo.
Quer dizer que mora em castelo também, perguntou o rei sabido.
Sim, pois não, senhor realeza, respondi bem letrada em tratamentos oficiais.
Serás tu alguma rainha destronada?, outra pergunta que estabeleceu, por pura existência, um princípio de diálogo entre nada e ninguém.
Não, sinto dizer-lhe, ó ilustríssimo referência, não há rainha possível em areia seca que não a água inexistente, mais uma vez e ainda melhor repondi-lhe.
Morando em castelo, mesmo que de praia, deves tu ter algum tipo de nobreza... Investigou consigo mesmo. Claro!, concluiu, és princesa esperante!
Aí já sim seria possível!, descobri. O senhor realeza de ilustração é sábio mesmo!, comprovei com resto de linha alguma na mão. Tenho esperado uma vida!
Gostaste muitíssimo da minha roupa nova?, inquiriu.
Certamente que sim, pois da sua linha saí do meu castelo a aventurar-me por lugar nenhum e sinto-me apropriada para gostar das coisas e admirá-las pelo que deveriam ser!, acertei bem.
Pois então saibas que és tu uma coisa de sorte! Abriste a consciência para a auto cegueira e isto é raro! Só as pessoas vencedoras podem mirar-se com tamanha compaixão ignorante! A espera é nunca alcança e a alegria de chegar lá é eufórica e destrambelhada. Nada sabe que não seja erros em sucessão. Olhas para trás, vento levou. Olhas para frente, nada para ser preenchido. Vives num presente de sonho esquecido ao despertar.
Podes casar-se comigo e seremos fieis ao sol que seca sua areia!
Moraremos ambos em lindos castelos!
Todos os povos serão como nós, espelhos em vácuo de imagens!
Viva coisa alguma!
Recebas tua capa real de tecido especial real para vertir nobrezas sábias de valores reais.
Chegar lá é coisa para secos de caminhos.
A roupa de tecido mágico é a pura tentação da vista do vazio.


I’m Nobody! Who are you?
Are you — Nobody — Too?
Then there’s a pair of us?
Don’t tell! They’d advertise — you know!

How dreary — to be — Somebody!
How public — like a Frog —
To tell one’s name — the livelong June —
To an admiring Bog!

(Emily Dickinson)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

pássara


Há uma espécie de mandioca que se transforma em açúcar.

A música se transforma em ideia.
O homem se transforma em palavra.
Minha humanidade se transforma em bicho.
O grafite se transforma em história
e a mata se transforma em tecnologia.
A máquina se transforma em monstro
e o conhecimento se transforma em morte.
O olhar se transforma em arte.
O artista se transforma.
O arroz se transforma em bolinho,
o queijo se transforma em receitas muitas
e o vinho se transforma em mito.
O teatro se transforma em teatro que nos transforma (ou não).
A diversão se transforma em vício.
O vício não se transforma.
Um casal, mesmo que eventual, se transforma em criança.
A criança se transforma infinitamente.
A mente se transforma em algoz.
E a pata do urso que fazia um carinho todo delicado na pássara de asa quebrada se transforma em garra de leão.
A alegria se transforma em dor.
O amor se transforma em solidão.
A dor demora e se transforma em força.
O limite se transforma em força.
A solidão se transforma em força.
O medo se transforma em força.
Cada uma das lágrimas choradas pra valer se transformam em flor de sal em rosto de vida pequena, mas aberta.
A pouca fé se transforma em ação cotidiana inevitável – em frente!
A asa quebrada da pássara se transforma em braço para acolhida.
A asa boa da pássara se transforma em planador.

Saber-se em mutação é poder seguir.
Saber-se apenas, não é.

sábado, 20 de agosto de 2011

Cidade Submersa


Esticou bem primeiro, depois rolou toda por cima da seda.
Todo o ambiente perfumou.
O mato crescia. E crescia mais ainda em noites de chuva.
Puxava muito e voava.
Lá de cima encontrou a cidade submersa.
Fazia tempo areia havia coberto tudo, menos a torre da igrejinha de sempre.
Lá, pelo vento mesmo que não cessava, o mar era da cor da areia e puxava também.
Ficava sobre as dunas, mirava bem reto o horizonte e imaginava muito. Era verão e todas as histórias moravam sob seus pés.
Quando vinha a noite, cabia tranquilamente entre areia e estrelas e sonhava com coisas que crianças aprendem a sonhar.
Foi crescendo com a vida. Foi perdendo a leveza de criança que sabe sonhar. Foi abrindo mais os braços e tocando coisas reais. Foi aprendendo a andar, a correr, a pousar. E não deixou de voar. Carregava aquelas histórias por dentro.


Encontrou, em outra puxada de criança, nova cidade submersa. -Cidade submersa disfarçada de mar.
Era um lugar bem estranho, cercado. Nenhum sinal de civilização que não fosse a cerca. Mas ecoava, do que ficava por baixo de bruma lisa e macia, sons de delicadeza altamente sedutores – sereia?

 
No limite possível da cerca ficou ouvindo muito aquele canto. Gostou tanto...
Confundiu a bruma com mar, confundiu o pico da montanha com ilha deserta para acolhida. Confundiu as histórias e pensou que era netuno o habitante de mentira que vivia no mar de mentira.
(Essa névoa deixa qualquer um confuso mesmo... Vai ver que puxava demais.)
O contentamento é coisa que vicia. Aquele som que emergia da bruma tocava por dentro e acalmava tudo!
Sempre que podia, chegava na beirinha da cerca e torcia para que ouvisse o canto atravessar a bruma.
Assim foi passando um tempo e depois mais outro até que num pouso forçado viu a cidade de baixo, por dentro, agora coberta por nuvens que, muito longe de serem brumas de sedução, pesavam de chuva que não queria chover e sobrevivia de hesitação.
O que já fora sonho de criança, revelava-se pesadelo de pessoa adulta que não quer crescer. (Amarra. Frustra. Estranha. Desconhece. Escurece. Grita mudo no vazio.)
Fim do canto. Silêncio completo.

O fundo do mar não é preto. É marinho.
O sal é sagrado, sim.
A percepção do sal na pele, na língua, é a oportunidade de gosto da vida.
A vida é lançar-se em mar aberto e bravio.
Emergir é o risco de novo naufrágio.

Quando acordou do pesadelo, sorriu. Olhou no espelho e viu de novo a maresia. Aquela cidade cercada não era a sua cidade marítima. Seus amores moravam no mar e nunca se escondiam sob bruma, e nunca cantavam por vaidade, e nunca limitavam acesso com cerca.
Seus amores moravam no mar e se revelavam em ondas e ciclos, e cantavam muito forte e intenso para os olhos brilharem, e os limites eram respeitados com generosidade mútua e portas sempre abertas.

Mesmo sabendo que o mar e o amor, além de acolhida, também são perdição, não escolheria jamais outro lugar.

 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Five Pointed Palm Exploding Mind Technique


Tira os óculos calmamente e testa as lentes.
Deixe que funcionem bem de dentro, sem preocupar com o que está para fora.
Ajusta seu foco em mim que vou mergulhar!
São 5 gotas de óleo de Rock Rose of the Desert no centro da palma da mão, entre o músculo diagramador e o osso vertenedor.
Da mão esquerda, claro.
Percebe o cheiro Saara com a abertura lateral e deixa molhar.
A primeira parte vai para o centro bem central da testa que é onde mora o pensamento chato. Bem naquele lugarzinho que franze e incomoda nossa tranquilidade. Deixa descansar ali e imagina que relaxa.
Quando o pensamento estiver embriagado, usa a segunda parte.
Ela vai bem dentro da orelha (não se diz mais ouvido, agora é só orelha mesmo – interna e externa. Nesse caso, é interna). Direita, é claro.
Pinga lá dentro como se fosse curar a otite. Mas não é isso. Vai curar mesmo a desatenção de estar sempre tão cheio de sons furiosos que não dizem nada além dos ruídos da cidade.
Deixa que inunde até ensurdecer e só ouvir o total silêncio que há dentro do nada.
Escutou?
Terceira parte: essa é curva.
No osso do central peitoral, que chama esterno com s mesmo, e que é interno ao meio do corpo, vai a terceira parte.
Ela é muito importante porque reúne em cima e em baixo. Junta tudo bem ali. E por isso merece uma atenção toda carinhosa de acolhida paterna (paterna porque o pai é capaz de acolher sem perguntar o que aconteceu, e abraça com ternura e firmeza apenas).
Quando pingar a terceira parte ali, faz com que o pingo caia em curvas espirais até atingir como flecha o ponto mais alto do osso. Ali, o óleo deve perfurar certeiro a pele e estacionar - em formato de gota mesmo – no centro do osso.
Seu efeito é muito imediato. Você perceberá que todas as suas partes corpóreas e não corpóreas se ajuntam em harmonia perfeita. Sentirá que é um humano cheio de natureza virgem e selvagem.
Segura, que ainda vão mais duas partes.
A quarta, muito óbvio, vai no umbilical. Nem preciso dizer o motivo. A conexão com a ancestralidade é fundamentalmente essencial para o mergulho. Quem não sabe dá onde vem, inventa. Não dá pra errar. O inconsciente coletivo trabalha nesse sentido e nunca falha. (a não ser que sua percepção de realidade contextual esteja altamente prejudicada pelas normas do mercado)
Quinta e última parte. Aquilo que sobrou na palma da sua mão.
Encoste a lateral externa da mão esquerda na lateral externa da mão direita. Assim, unindo e fazendo uma cuia. Lentamente una as duas palmas e deixe-as bem grudadas, pressionando uma sobre a outra. Não vá cair em oração! É preciso estar atento e forte.
A quinta gota se divide entre as duas palmas para lembrar a possibilidade de reunião.
Pronto!
Este é um auto-golpe chamado Five Pointed Palm Exploding Mind Technique, muito usado pelas populações marunvyshnas com o intuito único de fazer o coração pulsar em real alegria, liberto da mente que explodiu!
Funcionando, mantenha o uso das lentes originais e esqueça para sempre os enquadramentos artificiais.
Desde que utilizei o auto-golpe Five Pointed Palm Exploding Mind Technique que moro nesse mar assim bonito.
Aqui sou filha da matriarca estoniana de nome Kavinka. Ela roda muito pela areia e diz histórias sem final.
Sou como uma Amazona cheia de si, de mim, da gente, e nado no fundo do mar sem respirar por 4 horas e 27 minutos. Todas as noites.
Todos os dias tem sol e chuva. Os ciclos são incessantes e exuberantes. Nunca paramos.
Comemos sal do mar. As crianças crescem, mas não perdem jamais a curiosidade de conhecer o mundo.
E o mundo nos reconhece. E nós somos um com o mundo.
Planto aqui a famosa Rock Rose of the Sea. Outra modalidade de Rock Rose, um pouco mais hidratativa que serve para as ideias.
Com ela, estou em pesquisa de um novo óleo curativo para curar doenças inexistentes.
Depois dou a receita.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Processo


Os caminhos costumam ser conhecidos.
Um insiste na ficção,
outro não acredita e persiste na intenção de desnudá-la por completo por pura petulância.
Os textos deveriam trazer política relevância,
mas de cotidiano caseiro e privado as palavras saltam tímidas ao papel e não se enganam.
Há sempre uma desordem fruto do processo.- o café adoçado com flores, o sal guardado na gaveta, o rio negro querendo fazer-se cristalino em olhos transparentes de saudades, atriz saltando às pressas em possibilidades numéricas, horizontes novos para serem esboçados de vida que se inicia depois.
Quem era conhecido há anos, há intensidades brutas de vida e de morte, apresenta-se  em novidades vazias, distantes.
Há um maremoto no olhar
e o cinza pesado das nuvens traz a certeza de que o ciclo estacionou na turbulência.
Diz-se que tudo é processo e se ajeita,
mas quem vê caminho possível imerso em escuridão?
Inda mais quando o que já foi percorrido não esboça sentido algum.
Nem o desejo confiante lançado às estrelas,
nem a escrita precisa e atenta,
nem a coragem de sorrir num otimismo,
nada segura um corpo que se move no vazio.
É como morrer da própria história e nascer-se de novo.
A diferença do nascimento primeiro é que lá era possível sim viver processo-
agora não.
Quando se nasce da segunda, terceira ou quarta vez, é preciso sacar do fundo das entranhas um sentido novo que reverbere no ambiente imediatamente,
fazendo luz
dando-se à luz
libertando-se para a luz
de se formar em novo eu.

Simulacro-
corpo ágil dobras flexíveis músculos tonificados em pele brilhosa. os movimentos dançam em perfeita harmonia com o vácuo bem branco que envolve personalidade de talvez se ser algo que signifique.
signo vazio.
o corpo segue na dança em cegueira branca de saramago, carrega aquelas palavras em gestos precisos, quase belos, e que não dizem absolutamente nada.
a beleza é bela por si só e mais nada.
o impulso é de geração espontânea
nada por dentro que sinalize caminho de densidade.
o gesto dança e acaba e quando acaba não sobrou nada.
o passo afunda a areia e quando o pé volta a flutuar não se vê nenhum resquício de peso real que no segundo anterior escrevia ali a sua vida.
o corpo percebe que é e não é
e essa auto-dúvida faz com que a brancura impeça qualquer possibilidade de visão adiante.
nada atrás, nada a frente.
-Fim.

Quando não se acredita que isso é de fato um processo que dará em algum mar possível,
si len ci a – se