sábado, 20 de agosto de 2011

Cidade Submersa


Esticou bem primeiro, depois rolou toda por cima da seda.
Todo o ambiente perfumou.
O mato crescia. E crescia mais ainda em noites de chuva.
Puxava muito e voava.
Lá de cima encontrou a cidade submersa.
Fazia tempo areia havia coberto tudo, menos a torre da igrejinha de sempre.
Lá, pelo vento mesmo que não cessava, o mar era da cor da areia e puxava também.
Ficava sobre as dunas, mirava bem reto o horizonte e imaginava muito. Era verão e todas as histórias moravam sob seus pés.
Quando vinha a noite, cabia tranquilamente entre areia e estrelas e sonhava com coisas que crianças aprendem a sonhar.
Foi crescendo com a vida. Foi perdendo a leveza de criança que sabe sonhar. Foi abrindo mais os braços e tocando coisas reais. Foi aprendendo a andar, a correr, a pousar. E não deixou de voar. Carregava aquelas histórias por dentro.


Encontrou, em outra puxada de criança, nova cidade submersa. -Cidade submersa disfarçada de mar.
Era um lugar bem estranho, cercado. Nenhum sinal de civilização que não fosse a cerca. Mas ecoava, do que ficava por baixo de bruma lisa e macia, sons de delicadeza altamente sedutores – sereia?

 
No limite possível da cerca ficou ouvindo muito aquele canto. Gostou tanto...
Confundiu a bruma com mar, confundiu o pico da montanha com ilha deserta para acolhida. Confundiu as histórias e pensou que era netuno o habitante de mentira que vivia no mar de mentira.
(Essa névoa deixa qualquer um confuso mesmo... Vai ver que puxava demais.)
O contentamento é coisa que vicia. Aquele som que emergia da bruma tocava por dentro e acalmava tudo!
Sempre que podia, chegava na beirinha da cerca e torcia para que ouvisse o canto atravessar a bruma.
Assim foi passando um tempo e depois mais outro até que num pouso forçado viu a cidade de baixo, por dentro, agora coberta por nuvens que, muito longe de serem brumas de sedução, pesavam de chuva que não queria chover e sobrevivia de hesitação.
O que já fora sonho de criança, revelava-se pesadelo de pessoa adulta que não quer crescer. (Amarra. Frustra. Estranha. Desconhece. Escurece. Grita mudo no vazio.)
Fim do canto. Silêncio completo.

O fundo do mar não é preto. É marinho.
O sal é sagrado, sim.
A percepção do sal na pele, na língua, é a oportunidade de gosto da vida.
A vida é lançar-se em mar aberto e bravio.
Emergir é o risco de novo naufrágio.

Quando acordou do pesadelo, sorriu. Olhou no espelho e viu de novo a maresia. Aquela cidade cercada não era a sua cidade marítima. Seus amores moravam no mar e nunca se escondiam sob bruma, e nunca cantavam por vaidade, e nunca limitavam acesso com cerca.
Seus amores moravam no mar e se revelavam em ondas e ciclos, e cantavam muito forte e intenso para os olhos brilharem, e os limites eram respeitados com generosidade mútua e portas sempre abertas.

Mesmo sabendo que o mar e o amor, além de acolhida, também são perdição, não escolheria jamais outro lugar.

 

Um comentário:

Sol Bentto disse...

Ao ler, me senti uma criança-água, imersa em mim. Lindo...