terça-feira, 21 de junho de 2011

Bagunça no jardim

Nunca tinha conhecido bagunça por curiosidade.
Eu morava num parque muito florido e só a risada plena das crianças vinha para os meus ouvidos.
Eu ia calmamente aprendendo a cuidar sozinha das flores, escolhendo a melhor posição para o Sol, direcionando bem o Vento, planejando cautelosa a Chuva.
As flores nem eram abundantes, mas apareciam de surpresa, lindas, generosas em suas cores preciosas e formas sensuais.
Eu ficava lá entre o prazer e a solidão, bem calma e certa de mim no jardim.
Mas alguém que passava meio de longe percebeu o perfume das flores e ficou curioso...
Curioso.
Essa foi a sensação que autorizou alguém a entrar no meu jardim! Como assim?
Alguém chegou com corpo inteiro para dentro do jardim. Não levou alma – que fica escondida em local secreto no fundo do Mar. Mas pisou firme, fez ecoar sua voz, colheu umas flores, comentou sabido suas curvas, exibiu-se em dons possíveis de jardinagem, esboçou uma receita porreta de adubo, sugeriu outros desenhos entre Sol, Vento e Chuva, falou a língua das plantas

ocupou meus dias com ideias de umidade fértil
quando a terra
seca
recebe oferecida
cada pingo de água
que penetra entre minérios

fiquei assim. barro a ser moldado por mão firme de quem conhece a coisa.

Mas como calor seco no primeiro dia de inverno depois de um outono gelado, alguém saiu do jardim.
Saiu assim, tirando o pé do chão, vendo a estrada e seguindo simplesmente. Nem olhou para trás.
E o jardim ficou. - flor fora de lugar terra pisada de sal folha queimada em sol demais raiz olhando pra cima copa a doar sem poder receber olho boiando em ressaca de indignação de ter autorizado por curiosidade alguém bagunçar assim o jardim silencioso.
Vai ver o trabalho que dá pra arrumar...
Inda bem que tem as mãos pequenas
que sabem sem saber onde cada botão novo deve brotar
e sem curiosidade alguma
mas com aquela plenitude natural das plantas
ordenam permanência da jardineira.
Mas como conheço que depois do inverno vem a primavera e ainda depois o verão, não me espanto. Suspiro esse cheiro conhecido e deixo o Tempo trabalhar por mim um pouquinho. (deixo o sono cuidar de mim, como alguém me ensinou por acaso)
Enquanto isso, preparo uma placa bem trabalhada em madeira seca com tinta óleo avisando outros possíveis curiosos:
O parque está aberto, pode entrar.
Mas entre total: traga alma, coração, pensamento, ar e olhar junto com seu corpo.
Cuidado com a planta carnívora: ela engole e desaparece com a prudência, com o tanto faz, com o quase, com a hesitação de alguém que por pura curiosidade invade o jardim alheio!

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