O pé muito grande pisa desajeitado a fina linha equilibrista.
O vento é forte, mesmo para corpo pesado, já que bruto, não modula movimento.
Não há calor nesse jogo, a não ser no turbulento contato entre linha e pele do pé que quase se amam e quase se destroem. O que tem é um frio congelante que penetra até os ossos e faz sangrar o pensamento.
Só se ouve um choro pequeno mas intenso pra valer. Ele amarra muito o coração e faz turvo o olhar. Tudo é nuvem cinza, pesada de porvir. Toda umidade está árida. Faz-se um sertão no céu da imaginação e dali não brota palavra.
As mulheres seguram as pontas da corda com mistérios especiais que ajudam a bailarina equilibrista equilibrar, mesmo que capenga.
Os homens não vivem aqui. Vivem longe mesmo, sempre ocupados com um trabalho que não finda.
As mulheres se olham e não se reconhecem, mesmo assim trabalham igual na mesma culpa de poder, por breve descuido, deixar a corda afrouxar.
É de tensão que se congela.
Às vezes não há por onde escapar. As brincadeiras estão longe, o prazer foi nadar no mar. E elas ficam ali, bordando um tecido de vida estática, total contracenso – bordado que se faz de segurar bem firme a linha cinza e só.
A coisa toda dura um segundo. Mas vale por eternidade. Paraíso e inferno são faces da mesma moeda, o que varia é o jeito que a seguramos.
Liberdade talvez seja, então, jogar a moeda na gruta e seguir sem fazer pedido algum. Desprender-se totalmente da moeda e seguir plenamente só.
Saber que vida mesmo é quase nada, já que ontem acabou e amanhã não existe. O hoje é agora e agora já não é mais.
A bailarina abrutalhada não vai mais dançar. Seguirá apenas em equilíbrio ameaçado pelos desejos que ainda permanecem nas mãos suadas das mulheres que não largam suas moedas.
Ela tem olhos que bóiam, deixa os cabelos bem soltos para que se enrosquem com o vento e quase a levem para o infinito. Pensa que se voasse embora terminaria por pousar no mar e ali seria um bom ninho de sal.
O sal, o vinho e o azeite. Ingredientes ancestrais de mitos que desviam esse texto do seu objetivo final (já que ele está quase acabando).
Apenas o sal mora no mar. E o sal é vida de bailarina despregada da linha cinza de bordadeiras congeladas.
Quando o destino se faz da imobilidade algo está fora de órbita. Talvez as bordadeiras tenham errado a linha escolhida, talvez tenham esquecido como se amarra o ponto. Talvez a bailarina tenha se ausentando da sua possibilidade de soltar os pés da corda simplesmente e cair! Talvez o texto esteja equivocado e a autora tenha confundido cansaço com tristeza.
Vai pensar... Quando a poesia vem em elemento flor de sal sem passado e sem futuro, ela traz em si a imagem da gruta receptiva de moedas estéreis.
Aquele choro pequeno e intenso está guardado carinhosamente em algum coração todo materno. E se acomoda em silêncio de nuvem branquinha e quente.
As bordadeiras, sem querer, se entreolham e sorriem nada.
A bailarina percebe e afrouxa os pés para que conversem melhor com a corda.
Essa linha, recebida agora pela pele que a ameaçava, começa a ficar cor de areia.
E o sal do suor das mãos que afrouxam suas moedas, escorre até os lábios de todas as mulheres que, ao perceberem que carregam o mar, passam do sorriso às risadas. E o mar, tão generoso sempre, provoca um calor quentíssimo naquilo que estava congelado e que passa a movimentar-se em harmonia ondulante com a corda. E as risadas vão às gargalhadas.
As mulheres sabem rir de si mesmas. Seja de dor, seja de prazer. Duas faces da mesma moeda. Moeda que ficou na gruta sem pedido algum. Liberdade anunciada no primeiro passo dado em direção
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