Já não era mais antiga, não.
Passava dessa fase há tempos e havia mesmo juventude nova em seus olhos.
Agora era fotógrafa e ficava a mirar suas fotos de viagens que o amor fizera.
Tinha coragem de dizer bem assim: “o amor!”
Mesmo que na época atrás o combinado era não falar, pois daquele sentimento tão intenso e ancestral escolheu com o menino não nomear.
Mas já era longe o tempo daquilo tudo. E ela não fazia esquecer. Hora e outra remexia aquelas fotos e via as mãos bem firmes a buscar lembranças quentes.
Era sempre assim. Dava noite, só escutava os vizinhos e pensava que não ia mesmo na festa. Mesmo agora sendo jovem, não iria em festa.
Mas outros dias, talvez. Era capaz até de dançar e rodar uma saia florida pisando tonta a areia e ardendo os pés arranhados.
Andaria descalça pela rua e deixaria machucar. Não tinha medo de sangrar.
Antiga ou jovem, sabia mesmo que dor é de se sentir calada. Dança e ferida andam juntas nessa jornada de viver o que se é.
Não sentia mais medo algum. Sabia que não poderia chamar o menino para comentar as fotos que encontrava às noites. Mas se muito no acaso encontrasse, saberia de olhar tudo mesmo que ainda vive de “amor!”.
Deixando a nova juventude, seria apenas só. Era assim mesmo que iria agora. Só.
Achava bom porque dava bem pra mirar firme o que interessa. Não dispersava mais.
Via os pequenos, via os heróis com seus dragões de cospe fogo, via as palavras saindo aos treinos em repetição e por mais que repetisse repetisse não cansava de ouvir e ouvia sempre com surpresa e um carinho de profunda mãe.
Mirava já mais no trabalho que trabalhava muito. Ia aprendendo de número, de lei, de palavra, de pessoa, de cumprimento, de bom dia e boa tarde. Ia aprendendo coisas tecnológicas e usava da cabeça até os dedos, aprendia a vestir roupas tecnológicas com a amiga de lá longe. Aquela amiga de muito muito coração e conhecimento.
Inventava que ela mesma era tecnológica e podia migrar seus conteúdos por tempos diversos e fingir de si mesma uma ficção que enganasse a todos e até ela mesma.
Ia assim pretendendo ser segredo o que insistia em publicar. E viriam também as fotos das meninas... Aí sim! Quanta delícia em ver as meninas em seus olhares desenhados, em seus detalhes mais ou menos escolhidos, em suas palavras trêmulas e verdadeiras. Era disso que gostava: ficar olhando as meninas e brincando de fotógrafa.
Pensava naquela Pratika que precisava arrumar. Era do pai, mas o pai não era dela. Então adiava mesmo o conserto e não sabia mirar bem ângulo que dissesse aquelas poesias de enquadramento e texturas e distâncias e cores. Ficava de brincadeira e depois não via nada que havia fotografado! Como escapam as imagens de suas mãos. Só sabe fotografar com palavras? Essas sim, essas eram mais dela do que as imagens. Nem queria ficar muito a rodear com as imagens que não via pois ia mesmo escrevendo e aí percebia muitas formas.
Passou então a fotografar os próprios sonhos e aproveitava que a máquina era mesmo quebrada e sabia fazer coisas erradas. O pai jamais saberia e então não falaria bem duro que o serviço estava aquém.
Nada. Ninguém poderia ver as fotos que fazia dos sonhos.
Claro, porque sempre estavam dormindo que é quando os sonhos mais de verdade aparecem de susto.
Ficava também dormindo de leve sendo poeta fingidora.
Esperava bem o escuro da noite. Torcia mesmo para que a gata não percebesse e a pegasse saindo de casa, pois a gata era de rua noturna também, mas saia aos miados e acordava seus modelos de sonhos...
Então era dupla para enganar: modelo e gata.
Tendo bem seu o silêncio, era agir o ofício artístico de transformar em imagem do outro aquilo que era imagem sua, pois a criava primeiro em sua cabeça.
As pessoas falam isso: “você está bem nessa foto!”. Mas esse “você” é o fotografado, não o fotógrafo! Então não é esse “você” que está na foto! Mas o você que o fotógrafo vê, portanto é o próprio fotógrafo quem está em todas as suas próprias fotos!
O artista faz obra de si mesmo, mesmo quando olha para fora, pois seus olhos sempre são internos.
A arte é esse jogo de dentro e fora.
Tudo escuro. Pegava a máquina de transposição e buscava um alvo. Mirava bem em seus olhos e imaginava tudo o que ia por dentro do outro, por fora dela, por dentro dela e fazia forma ao outro.
Flash de luz de vela, flash de raio de sol, flash de oblíqua onda de mar, flash de vento bem raspando as costas, flash do olhar do menino. Tava feito!
Era obra muito dela mesma essa fotografia secreta do sonho do alvo. Todo alvo era bom nas mãos de imaginação dela.
Tudo quanto era história ela podia viver e amar como se fosse sua.
Ia vivendo assim, de histórias que não eram suas e já eram suas nas fotos da máquina quebrada. Era Pratika.
Resolvia bem os enquadramentos e as luzes adequadas, também acertava a música, o cheiro e o gosto, pois para a foto sair mesmo completa, precisa ser assim de todos os sentidos, se não faltava qualquer coisa de sua ainda.
Não era de envergonhar. Se nem era mais antiga, nem jovem. Era simplesmente.
Era fotógrafa daquilo que inventava ser.
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