quinta-feira, 16 de julho de 2009

Mãe e filha

da oficina subversões

Enquanto durou a diferença de tamanho que a fazia acolhida quando junto da mãe, a menina ocupou seu espaço.
Nunca questionou. Sempre gostou.
Sentia mesmo que aquele era um bom lugar para se estar: junto da mãe.
Encantada com o álbum de figurinhas na banca de jornal, suspirou certa vez "que lindo!", e a mãe ensinou-lhe esse silêncio entregando-lhe o álbum "isso mesmo, nunca peça. a mamãe dá."
Olhos da mãe sempre retos, olhos da menina a voar.
Mãe de voz firme, voz de menina pouco se ouvia.
Gostando agora das bandas de rock dos anos oitenta, quase não ia a shows. Matinê aos domingos não conheceu. Acampamento com a escola, tão pouco.
Mas passeava sempre - com a mãe.
Até na apresentação de balé da sua turma a mãe a levou. As colegas - sapatilhas coloridas, coque e purpurina - estranhavam "porque ela não vai dançar?". A mãe, cuidadosa, apertava a mãozinha que desejava se esconder "ela é muito pequena".
E assim andavam as duas no domingo à tarde a caminho da igreja: de mãos dadas.
A mãe não precisava olhar em seus olhos quando acarinhava "minha companheirinha..."
Quando o pai desagradava, a mãe confessava à pequena suas infelicidades no matrimônio. A menina obediente calava e odiava ao pai. Mais uma espécie de nojo diante a figura do não merecedor das lamúrias da sua mãe.
Também era a filha que cuidava de olhar pela mãe em suas várias internações no hospital. E quando da infecção de um corte na barriga, ela apertava, secava o pus que escorria, ria para distrair a mãe, limpava bem com gaze e soro e caprichava no curativo.
A mãe percebia com tristeza "minha caçula está crescendo".
Agora mais alta, buscando outros corpos para acompanhar - corpos autorizados pela mãe - ouviu atenta o conselho "nunca procure seu namorado. deixe que ele o faça. depois, lave-se no bidê."
Logo o namorado se afastou.
A mãe, baixinha agora, aninhava-se entre os braços da filha de olhar perdido e aprovava "minha companheirinha..."
Menina amadurece e tanto amor endurece.
As mãos de uma e outra já não se encotram mais.
E os olhos que raro se cruzavam, agora miram-se pontiagudos: os da menina, vermelhos e quentes; os da mãe, sempre retos, encontram gélidos e gozadores a aflição da filha.
Não há grito, choro ou dor que a faça curvar.
Sabe bem que voz de filha não sustenta fúria de olhar.
A mãe ensinou-lhe bem: a filha cala, suas mãos silenciam.

Um comentário:

Clarice Toledo disse...

Como te falei na oficina, esse texto me perseguiu no dia seguinte.
É um bom sinal qdo um texto persegue a gente, não acha?
Posta o outro, q a Becha pediu pra vc desenvolver.
Bjks,
Clarice Toledo