Recebeu uma carta em papel especial, sem remetente, num envelope bege claro.
Ao pegar a correspondência na mão, sentiu-se em filme antigo. A aparência da coisa revelava inevitável o tema amoroso.
Mas, se há tanto tempo só, o conteúdo combinado com a forma, seria trote ou engano...
Aproximou o envelope do nariz a ver sua trajetória: era curta, poucas mãos passaram ali. Talvez remetente tenha estado em sua caixa de correio.
Agora sim, coração principiava palpitar de exceção.
Lembrou-se então do filme em que amantes de tempos diferentes encontravam-se por cartas no improvável. Avaliou com sanidade que não seria o caso.
Lembrou-se também da infância, quando, sem meios eletrônicos, levava convites de aniversário às portas de visinhos do prédio de apartamentos.
Considerou finalmente que as pessoas que poderiam lhe escrever não teriam motivo para se esconderem em envelope bege claro.
Definira assim, que se tratava de pessoa desconhecida.
Caso quisesse realmente conhecer o conteúdo da carta teria que rasgar o envelope.
Levou-o contra a luz a ver o lugar exato de abertura.
Mas o gesto era impossível. Tentou de fato, mas o envelope era inrasgável.
Revelar o segredo contido ali seria regressar à tola realidade e isso pesava.
Porque não aproveitar até o esquecimento as possibilidades de uma correspondência antiga e anônima?
Era isso que queria. Guardar bem escondido, aquele envelope na gaveta da mesa de cabeceira.
Poderia resgatá-lo do esconderijo ainda algumas vezes e ensaiar a revelação, depois de especular um pouco mais sobre seu conteúdo.
Mas firmara um compromisso com o descanso de si e jamais o faria.
Até o fim da poesia, o envelope bege claro de carta sem remetente ficaria escondido numa possível história amorosa de um só.
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