Escolher as palavras observando com cuidado o jardim que parece abandonado, onde o empo age displicente e engana os olhos apressados apertados que só sabem ler mato.
Esse mato, que tem como aliado o tempo, cresce e floresce diferentes identidades de signos e significantes assumindo corpo de folha com sexo de flor perfume de chão molhado expondo o mistério mágico que emana de suas raízes penetradas e amarradas na terra.
Brotam palavras das minhas mãos.
Quero mergulhar os dedos no solo úmido, deixar os grãos entrarem debaixo das unhas, deixar a formiga provar meu sangue, deixar a pele calejar apertando a enxada, deixar o suor desenhar meu corpo, deixar a dor acordar meus músculos.
Meu corpo todo planta.
A cabeça - antiga copa de ideias flutuantes - aterra na ponta das raízes que conheci desde minha amiga árvore. Ela, a minha amiga, me chamava Pássaro e se fazia, sem saber, de casa - lar ancestral onde é possível reconhecer total ausência de fronteiras, bordas, limites, onde só há integridade.
Sou de Luanda.
Mergulho os dedos na terra úmida e deixo ressoar sua voz macia, sinto os grãos empurrando minhas unhas e saco admirada seu humor ácido brincando com as palavras. Ela - a minha amiga - revela seus pensamentos mais profundos como almejo testemunhar o revelar do broto desta semente que acabei de semear.
Não vou lavar as mãos.
Quero ficar assim. Cheia de terra.
Só com terra nas mãos posso tocar o jardim e conhecer os tantos nomes que o mato tem. Só com terra nas mãos posso encher de letras minha pele de papel. Só com terra nas mãos posso esquecer as fronteiras inventadas entre poesia e natureza e assim, cheia de terra, desmorrer.