Não foi
durante o treinamento de voz que dei há mais de dez anos atrás para seu grupo
de teatro que reconhecemos nosso triângulo amoroso, mas um pouco depois no
grupo mulheres que se encontravam para beber e contar bobagens em intervalos
longos de muito trabalho de militância política.
Militávamos
por políticas públicas para a cultura da nossa cidade e trabalhávamos muito por
uma lei de subsídio a grupos estáveis de teatro em São Paulo.
Em uma
dessas noites de longa bebedeira, entre um bar e outro, Bárbara lembrou “ela era
a namorada e eu era a amante”. Ríamos muito e sabíamos que era bem melhor ser
amante à oficial!
O ano
devia ser 1993 e, apesar de negar, os meninos de Águas da Prata – cidadezinha
do interior, já quase Minas, onde passava férias com a família - me encantavam.
Era impossível escolher um para namorar, bom seria juntar o violão de um, as
pernas de outro, o humor de um terceiro e a gentileza do mais velho... Ai!
Suspirava nos meus quinze anos.
Alice,
não. Alice, aos dezesseis, tem a vida cheia de muitos interesses além de
namorados. Ótima aluna, viaja muito com e sem os pais, fala inglês e aprende
francês, e toca baixo. Toca muito bem na banda da escola de música. Banda só de
meninas, para orgulho da tia feminista!
Alice
gostou da música que mandei para ela. Da nova safra de cantoras brasileiras,
groove pesado e dançante e uma linha de baixo bem funkeada, a letra é da
alegria da primavera, simples e toda poesia.
Francisco,
meu mais velho, também gostou da música. Mas preferiu o disco dos Paralamas que
ouviu no aniversário do amigo na última sexta feira.
Domingo
em casa com as crianças é pra ter muita música e muita dança!
Assim que
ouvi a voz do Hebert viajei para Águas da Prata, para os braços do namorado de
um único beijo (e na verdade, eu era a amante...) e reconheci sem surpresa uma
alegria descompromissada e solta da adolescência no meu corpo de trinta e três
anos.
Tantas
coisas que não mudam ao longo da vida: Steve Wonder será sempre meu
preferido. Gordo, mesmo depois do acidente, será sempre meu namorado de um
beijo só. Alice será sempre uma alegria de amor pela vida da minha irmã. Meu
coração será sempre muito infinito nessa coisa de amar- só cresce, é desmedido
e por isso fica cada vez mais forte!
Hoje,
ouvindo depois de muito tempo as músicas tão presentes nos meus quinze anos,
não pensava em namorados, mas rodava com Helena na cozinha. Suas gargalhadas
são espelho da simplicidade da vida, dos sentidos puros e fui toda na sua
dança.
Nesse
início de primavera reconheço o fim do inverno em mim! O alívio é...
...e nem
preciso contar, porque está tudo cabendo. A chuva cabe bem à noite, o vento
cabe bem ao calor do meio dia. A terra, a cola, o jornal, a voz das crianças,
cabem muito ao nosso domingo de piñatas. Os sonhos nos cabem sempre. A espera
tem hora para acabar. As lembranças cabem nas releituras do estado atual, às
vezes até para mostrar o que somos de verdade.