sexta-feira, 11 de março de 2011

Mãe Preta

Ventre expandido rebentando sem parar toda a espécie de humanidade.
É de coração, é de ganância, é de metal, é de pluma, é de força... Tudo quanto é tipo de gente viva sai de lá.
E come! Nossa se come! A gente toda bebe do leite terra como se o mundo fosse acabar ali, como se fosse filho único de mãe solteira.
A mãe é solteira de fato, é só. É inteira só ela a nos suportar pendurados em seu corpo quente, liso e marrom.
O corpo pende maltratado. Bando de filho ingrato.
Fogem do olhar da mãe enganados de si mesmos como se tivessem surgido do nada, como magia, como obra do divino que inventam - esse maldito divino que faz os filhos esquecerem quem são de verdade, esquecerem do ventre da onde saíram.
Divino homem, imagem de pai, pau na mão a nos esquentar o couro anestesiado de ilusão.
E a mãe não guarda os braços. Oferece o peito macio e recebe cada um dos filhos de volta: ditadores com seus obedientes, senhores com seus escravos, presidentes com seus povos, caciques com suas tribos. Uns gritando, outros ouvindo. Uns armando o rifle, outros caindo. Uns cantando a liberdade, outros rindo.
O colo da mãe vai ficando cheio de humanidade. E a gente humana, ali bem acolhida, não vê nada que não seja sua própria verdade inventada.
A mãe ensina que as verdades são mesmo de se inventar.
A mãe conta que cada uma daquelas gentes saiu igual de seu ventre generoso.
A mãe avisa que o leite é de acabar um dia, mesmo que hoje tenha pra todos.
E a gente não sabe nada, porque cada um só vê seu próprio um. E pensa ser aquilo que inventa verdade verdadeira.
E inventa nome pras cores diferentes e inventa caráter também.
E inventa regra pra ser mais filho que o outro e inventa guerra também.
E inventa que amor mesmo, só de quem inventa mais mentira pra mãe.
A mãe não recolhe os braços. Ela oferece o peito cheio e jorra o leite.
Sua pela negra, seu leite branco, seu suor de mar, seu coração carmim.
Igual a você, igual a mim.